quarta-feira, novembro 04, 2009

O Ar

Ela simplesmente não queria pagar contas. Não queria caminhar até o banco, esperar na fila e voltar pra casa sentindo brisa. Ela não conseguia saber aniversários e nem andar em linha reta. Tentava ao menos andar com a cabeça reta. A casa era de papéis, roupas e cinzas. E qualquer vento que batesse redecorava o lugar.

Sua mente andava tão esparsa que misturava infâncias com histórias. Ficou na dúvida se fora violentada ou se aquele era um filme que assistira. Criança e cinema tinham algo em comum, mas talvez fosse a erma torta de maçã exposta na janela. A vizinhança já não era a mesma.

Não podia se lembrar de cada instante da vida que passara. Estes, dos quais não se lembrava, deixavam de existir, porque é de memória que vive a lembrança. Os outros permaneciam enquadrados na mesa de canto. De alguma forma, o esquecimento passeia com a felicidade como virtude. É uma felicidade ignorante e, por isso, plena.

Evitou qualquer clichê que ligasse vento a liberdade e decidiu que deveria jogar as chaves de casa fora. Poderia ter se olhado no espelho, mas o ar não reflete no escuro. Foi quando respirou fundo, mas antes que pudesse soprar de volta, esqueceu para que fizera tal movimento. Lá fora, a chave pendurada em uma árvore que balançava. Hora de dormir.

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