domingo, fevereiro 19, 2006

Impressões de Pré-Carnaval: descaso, suvaco e notas

Hoje, dia 19 de fevereiro, comecei meu treino para o carnaval. Como tem sido há muitos anos, passarei esta data na capital mundial do carnaval: o Rio de Janeiro. O propósito desta crônica nem é discutir a primazia carioca no relativo ao evento, ainda mais visto que tal primazia é indiscutível. Entretanto, no meu primeiro dia desta semana de ansiedade que precede o intervalo do cotidiano tive uma grande decepção. Resolvemos acompanhar o desfile do famoso bloco Suvaco de Cristo. Resolvemos, apesar dos avisos de que ficava muito cheio.
Pois bem, nosso dilema começou logo cedo quando vimos no jornal O Globo que "os organizadores do evento não informaram a hora de saída do bloco". Isso foi foda. Já estou acostumado com essa história. Os Escravos da Mauá nunca divulgam quando acontecerá o ensaio. Grande palhaçada que, a meu ver, só serve pra segregar. Quando vejo que alguém ligado ao samba tenta escamotear seus eventos, já começo a duvidar da qualidade de seu samba.
Mesmo sem saber o horário certo de saída, resolvemos dar um crédito. Chegamos à rua Jardim Botânico às 14:30, se não me engano. Meu primeiro pensamento constatou que de nada adiantara esconder a hora de saída: a rua estava lotada. De longe enxerguei o bloco e resolvi chegar perto já que não ouvia música alguma. Mesmo com tantas pessoas, não tive dificuldade em chegar próximo ao carro de som. Mas o carro de som estava sem som. Só o que se ouvia era alguém lá de cima, com o microfone na mão, pedindo para uma multidão preciptadamente seca por carnaval se acalmasse e abrisse caminho. Essa informação levou algum tempo para ser processada na minha mente.
Depois de quase uma hora com o carro parado e mudo, o bloco conseguiu se mover. Pensei "agora vai começar". Mas que nada. Em uma velocidade muito alta para um desfile de bloco, o caminhão de som do Suvaco de Cristo seguiu rumo à Gávea cantando na capela o samba-enredo desse ano. Sim. O samba foi cantando o tempo inteiro (pelo menos desde a hora que eu cheguei) sem bateria alguma. Fora uma ou outra arranhada no cavaquinho, o que pouco se ouvia eram as vozes roucas cantando um samba que tinha tudo para empolgar a multidão se tivesse acompanhamento de percursão.
Ao chegar correndo na gávea, o bloco foi desmontado em poucos minutos. Esse foi meu pré-carnaval. Fui no desfile de um bloco, onde não se cantou samba, não tinha bateria, e os organizadores do evento estavam de má vontade com o público. Suvaco de Cristo nunca mais. Não mesmo! São não entendi como tanta gente permaneceu lá na rua, debaixo do sol, sem dançar, divertindo-se entre amigos como poderiam fazer em qualquer.
Na qualidade de folião, resolvi dar notas aos blocos de carnaval. O primeiro foi o Suvaco de Cristo que só não recebe nota zero proque cheguei como desfile já iniciado. A nota é 2.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Às elefantas

Aliás, um de meus maiores sonhos era começar um texto com "aliás". Até porque, é semanticamente incorreto. E precisava justificar o uso precipitado. O uso do "aliás" pressupõe que algum outro assunto tenha sido tratado antes. Ao invocarmos o "aliás", indiretamente fazemos referência à nossa capacidade de associação um pouco superior à dos chipanzés, segundo os biólogos. Segundo os cientistas sociais, o "aliás" é exemplo concreto da dominância do homem sobre os demais seres da Terra. Para os poetas e escritores serve para introduzir o assunto realmente importante, uma vez floreada a introdução com algo irrelevante mas bonitinho. Para mim não serve pra nada disso. Para justificar o começo de meu texto com "aliás" recorro ao reino animal. Transformo em vocativo e ensino para meus poucos leitores que, apesar de "elefanta" ser uma forma correta de denominar a fêmea do elefante, aliá também o é. E faço assim minha crônica começando por "aliás", dirigindo-me talvez a um grupo de elefantas para quem é inteligível minha forma de expressão e sem saber se o substantivo está corretamente flexionado. De qualquer forma fiz-me satisfeito e, quem sabe, quando aprenderem a ler, as aliás não vão guardar em suas vastas memórias esta singela homenagem?

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Desengano

Era sábado de carnaval. Acordou cedo, tomou café e disse pra mulher que ia comprar cigarro. Ela não acreditou e ele não fez muita questão de convencê-la. Voltou pro quarto e vestiu a calça branca e uma blusa azul celeste, cor de sua escola. O figurino ficou completo com o chapéu de palha, quase novo, não fossem os 15 carnavais passados. Saiu sem dizer adeus. No sábado bebeu demais. No domingo pulou no bloco. Na segunda-feira torceu pela escola. Na terça gorda apaixonou-se por uma colombina. Na quarta-feira de cinzas voltou maltrapilho pra casa. Com um cigarro no bolso e um saco de pão debaixo do braço, foi recebido pela mulher como se voltasse de mais um dia de trabalho. Tomou bicarbonato e dormiu por uma semana. Acordou, beijou a mulher e correu para a fábrica.

A Mala

Ele fumava um charuto, quando a agulha começou a arranhar o vinil de Ella Fitzgerald que tocara na vitrola. Calmamente desacomodou-se e caminhou lento até o toca-discos. Levantou a agulha e repousou o braço de marfim no apoio do aparelho. Andou até a outra direção da sala. Na pequena mesa havia uma mala bastante gasta pelo uso. Pousou o charuto num cinzeiro de cristal e abriu-a. Contemplou o conteúdo com um sorriso iluminado. Depois de um breve momento de êxtase, o barulho de um carro levou-o preocupado até a janela. Três homens saltavam do automóvel. Olhou para o relógio onde os ponteiros gritavam pressa. Vestiu o sobre-tudo, carregou a arma, pegou a mala e saiu porta afora.