quinta-feira, outubro 29, 2009

O Fogo

“Eu não soube o que eram escolhas”, ele disse esperando alguma resposta vinda dos olhos dela. Mas ela não se importou. Continuou olhando, pela janela, a cidade em chamas e as negras torres de fumaça que riscavam o céu da madrugada. “Era como se ela não quisesse estar ali”. Foi o que ele pensou várias vezes até que ela finalmente virou-se da janela e deu a resposta que ele esperava de seus olhos. “Querer não é uma faculdade muito estranha.” Silêncio.

Ouviram sirenes cruzando a frente do prédio. Depois desapareceram em seu rumo. E fez-se silêncio novamente. Por que não se pode ter silêncio quando se quer? Por que engolir o mudo é muito mais difícil? Eles simplesmente não se importavam. Tinham quase certeza que ainda eram humanos e isto era o que os havia levado para o tédio. Cansaço.

Ele percebeu que a Lua forçava uma aparição entre as nuvens. Ela não percebeu quase nada. Mulher vive em estado de percepção, de modo que há poucas novidades na janela. Ela sentiu uma náusea. Deveria ser a menstruação chegando. Isso ela percebeu. Lembrou mais uma vez que era humana. Não porque menstruava, mas porque sentia náuseas.

“Roma está em chamas”, ela disse. “Não que possamos fazer alguma coisa, mas porque Nero é o que somos: niilistas apegados à invenção que nos diferenciou dos outros animais.” Ela não estava falando da roda. Ele ofereceu um cigarro apenas em gestos e ela o aceitou da mesma forma. “A cidade está em chamas.” E a pouca humanidade ardeu nos peitos, consumindo qualquer traço de sabedoria.

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